É sempre muito complexo, às vezes impossível para uma artista deixar sua zona de conforto sem causar estranheza ou tensão, Priscilla Alcantara tinha uma arte muito sua, aquela que a tornou conhecida por fugir da bolha e conversar todos, sendo seu público alvo ou não. Explorar novos horizontes e vertentes da música já era algo usual em seu trabalho, a cantora sabia impactar um grupo muito amplo de pessoas por seu poder atrativo, além disso, sempre colocou muito conceito em seus projetos deixando-os tão complexos quanto a tarefa principal - unir cristãos e aqueles que não se sentiam representados por personalidades religiosas.
Esta contínua busca para traçar destinos diferentes a colocou sob vários julgamentos e críticas que vinham de ambos os lados, decidir qual lado escolher acredito não ter sido fácil, porém seu novo caminho era óbvio. A porta do pop foi aberta para explorar sua artisticidade e criatividade, como um importante passo musical e pessoal. A cantora abandonar o nicho gospel para trilhar o pop, a fim de imergir na melhor das hipóteses no meio de uma liberdade artística, onde a artista reside atualmente, foi sua melhor escolha.
Com "Eu não sou pra você", Priscilla - junto ao Lucas Silveira - conseguiu de forma escalonal dar um passo adiante e com genialidade nos oferecer uma das experiências musicais mais emocionantes e sensacionais do ano. Musicalmente, a visão refinada da artista a permitiu criar uma espécie de caos organizado, sem seguir qualquer regra, a fim de retranscrever seu futuro in/certo no gênero pop. Abordando seus tópicos de múltiplas perspectivas sem deixar uma canção espiritual ou inquietante, a cantora expandiu seu single de estreia "Tem Dias", lançando um EP universal e inspirador de uma só vez.
Uma das características deste mini disco que me chamou a atenção é a performance vocal muito solta e levemente melancólica, mais notavelmente durante a entrega harmônica, de certa forma, talvez essa seja a maior beleza do projeto. Piscilla teve espaço para contextualizar e experimentar essas emoções pessoais que todo ser humano vive, desilusões amorosas e dias ruins não é nada incomum. Uma relacionabilidade emocional é a base do amor pela arte, isso conecta as pessoas, quando ela se lançou como aprendiz do pop em um território experimental fora dos limites da sua estrutura musical, isso não a dobrou, ela continua com sua escrita onde a aura de toda a experiência é o ponto mais interessante.
Sonoramente o instrumental e a produção soa tão mágico, é certamente uma reminiscência de algo que você poderia ouvir em um projeto da SZA. A faixa simplesmente evoca uma vibe glamorosa o suficiente para atingir um nível de relacionabilidade densa com o ouvinte, desenhando uma exuberante e ensolarada paisagem sonora que ascende um clímax confortante, que não provoca valores cristãos, sem necessidade de uma lírica confrontante, mesmo sendo uma canção proeminentemente focada nas baladas românticas modernas. De forma resumida, foi uma resposta assertiva à ansiedade e tensão dos jovens, uma música entregue com uma confiança ousada.
No processo de sua consolidação no pop, Priscilla continuou com seu registro, porém bem equilibrado, sem muitas firulas e vibratos exagerados, que era sua marca no gospel. Quanto à forma de arte da música, isso é inquestionavelmente uma lasca da genuína perfeição. É clichê, mas não há realmente nenhuma quantidade de palavras que poderia encapsular toda a qualidade e beleza desta canção. Sua versão mais centrada e clean é uma verdadeira provocação (boa) de um artista em seu auge. Um trabalho lindo!
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