Nota: 8/10 ★★★★☆
Zane Lowe vai até o encontro de Harry Styles, seu suéter pastel verde-claro e colar verde, seu Adidas cor-de-rosa e suas unhas pintadas convidam o entrevistador a falar sobre “Harry’s House”, o novo álbum do astro pop. Ele, que mantém certa distância nas redes sociais, alega estar totalmente entregue para seus fãs, de corpo, alma e coração em sua turnê “Love On Tour”. Styles diz “nesse mundo, nessa indústria musical, todos precisam ser amados”, e que essa foi a motivação por trás do álbum. O influencer não ignora o ônus de ter um contrato com uma gravadora gigantesca, não ignora sua obrigação de servir hit em cima de hit, com o lucro acima de sua expressão artística. Pelo contrário, usa de sua vibe positiva, carismática, de prazer e de absoluto conforto, que marcaram sua personalidade, indiscutivelmente qualidades genuínas, e que estão presentes em todo o disco.
Sabe, artistas mainstream encontram sua artisticidade principalmente na simplicidade. Quanto maior a gama de pessoas atingidas por sua poesia pragmática, sua persona construída e seu propósito acolhedor, melhor. No "Harry’s House” os conceitos de simplicidade e esvaziamento se confundem. A plasticidade artística é algo a se apreciar cuidadosamente, pois os aspectos visíveis transbordam a quem examina, rigorosamente detalhado, algo que, musicalmente, não ocorre com tanta frequência. Styles deixa os grandes refrões para abraçar uma produção cuidadosamente medida, incorpora uma voz soprosa de cabeça por todo o álbum, que varia em falsetes e o que deveria ser uma briza agradável vira uma chateação, para finalmente apertar o botão do foda-se para as composições: “Cocaína, peitinho escapando”, “eu poderia fritar um ovo em você”.
Harry não é o núcleo de sua própria casa, temas abrangentes demais impossibilitam isso. Há funk, há o synthpop característico dos anos 80, há folk, mas não há fortes referências do que o ex-One Direction já disse gostar e ter como influência real; Joni Mitchell, Tame Impala, The Beatles, etc. A dupla de longa data de produtores Tyler Johnson e Kid Harpoon, responsáveis por compor não somente “As It Was” como também os grandes hits “Watermelon Sugar” e “Adore You” retornam para tornar a vida do ouvinte um tanto mais fácil.
Apesar da ausência de inovação, “As It Was” é uma de suas maiores composições. É instantaneamente um sucesso do TikTok, catchy, melódica, identificável. A metamorfose que o cantor descreve vai além do genérico, é familiar e ligeiramente íntimo; um dos únicos momentos em que há um diálogo. É como se estivéssemos presos numa fração do tempo onde o vigésimo remix de algo nostálgico fosse responsável por expulsar toda a dor cotidiana numa predisposição anódina. Funciona. “Little Freak” é sobre um grande amor que se esvaiu sobre os mesmos dedos que dedilham encantadores acordes. Em “Matilda”, Styles quer ser um bom ouvinte para vítimas de traumas sérios, impossíveis de serem ditos e revelados, mas que não escaparam de sua lente sensível. Em “Satellite” ele diz estar girando, esperando para alguém trazê-lo para dentro, para a troposfera, e é essa a sensação que o disco transmite. Uma sensação de risco controlado, de não-identidade e pertencimento, de estar feliz e satisfeito em querer ser o boy brand de uma era sem precisar demandar muito esforço.
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