ADMIRÁVEL CHIP NOVO (RE)ATIVADO, em caixa alta, é o disco mais recente de Priscilla Novaes Leone (Pitty, para os mais íntimos) lançado para divulgar sua turnê “ACNXX” e disponibilizado apenas um dia antes de seu aniversário de 46 anos. O projeto conta com uma reunião de artistas reimaginando o que seria o Admirável Chip Novo contemporâneo, dando carta branca para remixarem seu magnum opus. "Fazer aquilo (ACN) acontecer não significava que eu estava disposta a fazer concessões que ofendessem a minha arte ou a ceder a armadilhas de mercado só para ter sucesso."— disse Pitty à Folha. Bom, parece que as coisas mudaram.
É o primeiro projeto da baiana que não carrega seu DNA denso, sua postura idiossincrática e sóbria, muitas vezes zelosa e aplicada, sob a maioria das coisas, viram performances pop vazias, um frankenstein negligente da própria realidade dos fatos, negligente da própria fúria do ACN que alimentou milhares de jovens. A cantora de “Teto de Vidro”, “Máscara”, “Temporal”, tão necessária na celebração de 20 anos do seu diário pessoal, vê seu próprio cadáver ser velado, aparece apenas uma vez nessa festa que virou um enterro.
De longe a produção do álbum é a única parte possível de estragar, já que as composições seguem firmes e fortes no consciente coletivo; Sandy, que é provida de um talento vocal sobrenatural, é soterrada em camadas de reverberação para parecer críptica mesmo com toda evidência do contrário. Ney Matogrosso, Pabllo Vittar e MC Carol são possivelmente as maiores decepções dentre as regravações. Artistas tão dinâmicos se apresentam como verdadeiros amadores, seja sob uma cama de synths com pouco ou nenhum significado, seja através de tendências trap, reggae e piseiro sem nada a agregar, integrando a fanfarra fúnebre do ACN (RE)ATIVADO, fazendo o momento karaokê de Planet Hemp soar como um primor aos ouvidos. O que era para ser um debate sobre o quão hermético é o rock nacional vira um mantra da própria Pitty, sentada no sofá de casa, se permitindo ser o que conseguir ser: complacente.
Nem tudo está perdido. Tuyo faz uma interpretação etérea de “O Lobo”, faixa dignamente resgatada de seus tempos áureos, elevando a canção a um lugar especialmente tocante, munido de atmosfera e afrofuturismo. Até mesmo um grupo como Supercombo, uma das grandes revelações de 2015, do programa Superstar da Rede Globo, traz nuance, dá vida a um processo natimorto, provando que um grupo (ou intérprete) consegue sim deixar sua marca sobre um clássico, sem parecer precipitado ou indulgente—o que teria Emicida a agradecer ao Hangar 110?
Pedidas frias, pratos gelados, totalmente requentados, exibem um lado de Pitty que talvez não fora apresentado ao público antes: o da procrastinação. É uma pena que o que antes tenha sido o combustível de toda uma geração, um verdadeiro despertar do gênero no Brasil, vire um rodízio em fim de serviço.
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