O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, confirmou nesta quarta-feira (25) a abertura de inquérito na Polícia Federal (PF) para apurar o crime de genocídio contra o povo Yanomami, em Roraima, que vive uma crise sanitária nos últimos anos, com mortes por desnutrição e proliferação de doenças como a malária.
"Nós temos uma lei sobre genocídio no Brasil, que é bem antiga, sancionada por Juscelino Kubitschek, em 1956. Essa lei ainda está em vigor e prevê vários tipos de práticas de genocídio, que envolve matar, mas também violar integridade física e mental, e ações e omissões que levem ao extermínio de um determinado grupo étnico. Com o que eu vi, com aquilo que a sociedade viu, eu não tenho dúvida que havia, infelizmente, não só negligência, como também uma certa intencionalidade, que vai ser apurada pela Polícia Federal", disse o ministro durante entrevista ao programaA Voz do Brasil, produzido pelaEmpresa Brasil de Comunicação (EBC)e veiculado pela Rede Nacional de Rádio.
Segundo o ministro, a apuração vai envolver condutas de pessoas que praticaram crimes diretamente na região e também dos responsáveis pelo "abandono sanitário e assistencial" dos indígenas.
A Terra Indígena Yanomami é a maior do país em extensão territorial e sofre com a invasão de garimpeiros. Os indígenas vivem uma situação tão vulnerável que já resultou na morte de 570 crianças por desnutrição e causas evitáveis nos últimos anos. No último domingo (22), quatro deputados federais do PT protocolaram uma representação criminal na Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e a ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos e senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF) também por suspeita de crime de genocídio contra os povos Yanomami em Roraima. "A punição previne. A morte de 500 crianças não pode ficar impune", acrescentou o ministro.
No sábado (21), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ministros de Estado visitam Roraima para ver de perto a situação dos indígenas. No mesmo dia, o presidente instituiu o Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento à Desassistência Sanitária das Populações em Território Yanomami. O objetivo do grupo é discutir as medidas a serem adotadas e auxiliar na articulação interpoderes e interfederativa.
Uma das medidas que serão adotadas é a desintrusão da terra indígena, operação que visa retirar os invasores das áreas. Não há números oficiais, mas estima-se que há atualmente uma população de cerca de 30 mil pessoas não indígenas desenvolvendo atividades ilegais na unidade.
"Temos essa determinação do presidente Lula, de fazer a desintrusão. Será feita. Porque terras indígenas são bens da União, com posse permanente dos indígenas, e não pode haver garimpo", disse Dino em entrevista a veículos daEBC. Segundo ele, a operação de retirada dos invasores é complexa e exige um planejamento multissetorial, inclusive para fomentar que as pessoas que serão retiradas possam ter alternativa de reinserção legal na economia.
Ainda durante a entrevista noA Voz do Brasil, Dino defendeu mudanças em uma lei federal que, segundo ele, facilita o comércio ilegal de ouro, de forma inconstitucional. Um dispositivo da Lei 12.844/2013 desobriga as Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs), instituições legalmente autorizadas a comprar e vender ouro no país, de controlar a origem do produto, permitindo que todo o ouro ilegal oriundo da Amazônia seja escoado com aparência de licitude.
"Essa lei, infelizmente, permite que ouro ilegal, como que por encanto, se transforme em ouro legal. É como se fosse uma lavagem. As distribuidoras que compram o ouro não precisam ter certos cuidados e cautelas porque se presume a boa-fé do adquirente e do vendedor. Então, você pode, a essas alturas, ter ouro oriundo de terras indígenas, oriundo de outros países, fruto de roubo", afirmou o ministro.
A norma é objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) movida pelos partidos Rede Sustentabilidade e PSB, no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF). Flávio Dino afirmou já ter oficiado à Advocacia-Geral da União (AGU) para analisar o caso e avaliar uma outra ação pedindo a derrubada do dispositivo. "Isso seria uma forma de descapitalizar o garimpo ilegal no Brasil".
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